Aos amigos e Parentes, (Por Helen Navajas)
Ao que tudo indica o velorio e sepultamento ira acontecer no domingo, no Bom Jesus do Matosinhos (bairro Cabecas). "O esforço é vida; é um constante provar a capacidade de produzir, de fazer, de realizar.
"A luta é lei da vida, devendo ser enfrentada uma e mil vezes, não com insegurança senão com plena consciencia de que é inaldivel".
Naldo Navajas
(Arnaldo Navajas Filho)
1943 - 2014
Texto: Agliene Melquíades
Na sala da casa simples, quadros na parede, discos, livros, certificados e prêmios se fundem na beleza do dom e da inspiração. São produtos da história do garoto que brincava com o primo de desenhar os aviões que passavam no céu. Ou que ficava tão apaixonado e distraído com o que fazia, que um dia queimou as juntas do joelho, pintando os barcos que repousavam no mar de Santos. Para ele, a arte é “uma vibração imensurável, tem uma ligação com a história e conhecimento adquirido”.
Naldo Navajas é o construtor de todo esse ambiente. Mora e pinta Ouro Preto há mais de 40 anos. Paulistano, nascido em 1943, parou de desenhar a realidade caótica daquela época da grande metrópole, e se deixou encantar pela vida e beleza ouro-pretana.
Desde pequeno conviveu em ambiente artístico. O pai era decorador, amigo do pintor Alfredo Volpi (considerado pelos críticos um dos artistas mais importantes da Segunda Geração do Modernismo) e de Victor Brecheret, responsável por introduzir o modernismo na escultura brasileira, sendo sua obra mais célebre o Monumento às Bandeiras.
Seu contato direto com a arte se deu na adolescência, quando trabalhava no escritório de uma fábrica de fundição de bronze artístico. Aprendeu com um funcionário a fazer as esculturas, teve um desempenho surpreendente, e foi transferido para essa função. Anos depois, começou a trabalhar com publicidade, em uma empresa de energia. A experiência contribui muito para sua formação, já que seu chefe era formado pela Academia de Belas Artes de São Paulo. “Nossa! Naquela época não teve coisa melhor para mim”, diz ele emocionado ao recordar.
Naldo também trabalhou 14 anos com o pai. Eram restauradores de peças de aviões e outros objetos, que chegavam da França ao Museu da Aeronáutica, criado pela Fundação Santos Dummont. Desde então, tornou-se fã do aviador, e refere-se a essa fase com carinho e gratidão indescritíveis. “Vivia uma era de áurea espiritual. Quando recordo tudo aquilo, me surpreendo com a intensidade de aprendizado que as interações do passado agregaram em mim ao longo da minha história. Todo esse conhecimento acumulado é hoje os traços que dão vida a minha pintura”, diz o pintor poeta, com os mesmos olhos brilhantes, semblante plácido e falar objetivo que perdurou pelas quase três horas de prosa.
A paixão de um ser por algo que lhe faz sentir prazer em existir o acompanha sempre. Em 1971, o pintor ficou oito meses internado, vítima de tuberculose. Mesmo em ambiente hospitalar, sua inspiração parecia ser onipresente. Passou então a desenhar dentro do próprio hospital. Retratava os doentes que se punham a conversar em rodas, as paisagens adjacentes, as enfermeiras e até mesmo os cachorros. Naldo ri, lembrando da moça bonita que trabalhava na cozinha do local. “Eu ficava bem perto dela, observando-a, desenhando sua imagem. Ela nem notava”, recorda ele com lábios e olhos sorridentes.
Depois de recuperado, passou a comercializar sua obra em praça aberta, na cidade de Embu das Artes, e mais tarde na Praça da República, em São Paulo. A maioria de seus quadros era desenhada e pintada em contato com a imagem viva, animada. Nessa época o artista já fazia quadros de Ouro preto, baseado em fotos da cidade emprestadas pelo tio.
As fotografias dos monumentos e paisagens ouro-pretanas não eram o suficiente para o pintor. Acostumado a fazer a arte a partir do que lhe é vivo, presente e tateável, as fotos da antiga Vila Rica lhe eram frias, e sua reprodução parecia feita por ele de uma maneira pouco profunda. Era preciso ver, tocar tudo aquilo, mais que isso: captar a energia do que mais tarde estaria nos quadros. “Onde encontro a essência presente nessas fotos? Em Ouro Preto.” E assim Naldo desembarcou pela primeira vez na cidade, em agosto de 1973.
A terra de Aleijadinho teve então suas ruas e belezas pintadas a linhas sutis, leves e delicadas. A essência captada no convívio com a realidade permitie que a vida entre com toda sua emoção nos traços de arte. Navajas tinha inspiração e mãos ávidas, mãos que gesticulavam quase sozinhas ao contar as histórias no decorrer da entrevista.
Além dos quadros, fotografou vários lugares da cidade, que mais tarde seriam também sua arte desenhada e pintada.
No último dia na cidade, conheceu Solange Fortes. Voltou para São Paulo no dia seguinte. O namoro por cartas e poucas visitas de Navajas a Minas durou até 1975, quando se casaram. Mudaram-se para a capital paulista, onde Solange deu à luz a primeira das duas filhas do casal, Helen. Tempos depois, voltaram para Ouro Preto, onde nasce Érica. Em 1994 o pintor fica viúvo.
Portador inato do talento artístico, o primeiro curso que o pintor fez foi no Festival de Inverno de Ouro Preto, em 1974.
Hoje, as rugas na face enganam, e somem quando o pintor, agora poeta, fala com um semblante jovial e emocionado de sua paixão por esta terra. “Ouro Preto é um rei, que eu tenho que reverenciar para pintar essa magnitude. Me ponho diante desse significado de história e beleza magestral”.
Para ele, “Colorir é como uma pauta de música e quando coloca a cor o quadro se transforma em melodia.”Sua sala é um quarto, recinto onde a essência do passado repousa. Um lugar em que a energia do artista não se prende aos quadros, mas paira no ambiente. Mas que isso, invade a outras pessoas, que se calam e se encantam ao mesmo tempo: eis a difusão da arte.